À Lareira Com...Elisabete Caldeira e Jorge Campião, autores do livro "Sob O céu de Paris"
Falem-nos um pouco sobre vós.
Jorge Campião: Não há muito a dizer sobre mim, sou do género de pessoa que se pode perder no caminho de casa para o supermercado, não sei onde fica o sul nem o norte e não me lembro dos nomes de muita gente; de qualquer modo, consigo fazer as minhas compras, gosto de viajar e há pessoas que nunca esquecerei.
Elisabete Caldeira: Sou romântica e eternamente sonhadora. Gosto de viajar e de organizar as minhas viagens, escrevendo sobre elas e acumulando os mais variados e extravagantes artefactos e objetos que delas trago de recordação, desde que, por alguma razão, sejam testemunhos de um sentimento especialmente agradável, de um prazer de viver. Esta faceta acabou por nos dar muito jeito enquanto escrevíamos “Sob o céu de Paris”.
Como surgiu a ideia de trabalharem juntos na escrita?
Jorge Campião: Há alguns anos deitei um romance inteiro para o lixo e ainda não me arrependi de o ter feito. Entretanto amadureci o suficiente para perceber que pretendo escrever melhor do que alguma vez o conseguiria sozinho, por isso, quando a Elisabete me propôs uma “sociedade”, não hesitei. Foi natural.
Elisabete Caldeira:
Quando conheci o Jorge, ele estava, ou pelo menos a tentar, escrever uma novela há mais de 10 anos e já tinha escrito um livro de contos há mais de 20. Li os contos, que me fascinaram bastante e, embora lho tivesse dito, ele não acreditou. Pedi-lhe para ler os textos da tal novela que ele não estava a conseguir finalizar e propus-me ajudá-lo no que fosse necessário. Quando comecei a lê-los percebi que o Jorge estava realmente há muito tempo sem escrever. Havia pormenores na história que já não existiam na atualidade e outros que estavam muito desatualizados. Li-os, reli-os, conversámos sobre o assunto e ficou-me a estranha sensação de que aquele nosso trabalho não iria ter resultados positivos. Pensei que ele estaria a necessitar de um empurrão e pedi-lhe que esquecesse aquela novela desatualizada e que escrevêssemos juntos uma coisa nova, de raiz, onde começássemos os dois. Ele aceitou de imediato.
Inicialmente, Elisabete tinha já um projecto delineado. Como surgiu a ideia inicial para esse projecto?
Elisabete Caldeira:
Fiz algumas viagens para as quais levava um diário onde ia escrevendo o que ouvia, o que via e o que sentia. Mais tarde, já em casa, transcrevia esses relatos para um caderno e juntava-lhes um ou outro pormenor que os enriquecesse. Juntamente com os relatos ia colando as fotografias da viagem e os mais variados objetos que tanto podiam ser o bilhete do avião como um guardanapo do café ou até uma pulseira exótica. Transformar aqueles relatos num livro com ilustrações e sensações era como que perpetuar a viagem. Chamava-lhes “Os diários das minhas viagens”, mas na realidade foram o grande impulso para este projeto. Esta história de amor vivida sob o céu de Paris com telas, tintas e cavaletes à mistura foi o resultado de sentar-me no baloiço do alpendre da minha casa, numa tarde nostálgica e ao som de Bach a folhear um desses velhos “diários de viagem”.
Como é escrever um livro “a dois”?
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Pensamos que não tem de ser tão complicado quanto à primeira vista e à maioria das pessoas que nos rodeiam parece. Partilhar ideias, discuti-las, transformá-las, acrescentá-las, reduzi-las e entrecruzá-las com outras ideias de modo a criar um personagem, uma situação ou um encadeamento é por si mesmo um exercício complexo mas muito estimulante, e esse estímulo acaba por se refletir no modo como se trabalha durante a evolução do texto, tornando os momentos de maior esforço mais suaves e os de satisfação mais intensos. Claro que tem de haver empatia entre as duas pessoas que escrevem e muitas vezes isso não basta, é necessário bom senso para ultrapassar as inúmeras divergências que surgem durante um empreendimento tão longo, e de algum modo íntimo, como é o de escrever um romance de ficção.
Falem-nos um pouco sobre o livro “Sob o Céu de Paris”.
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Pode dizer-se, entre outras coisas, que na leitura deste livro se percorrem duas correntes paralelas que se entrecruzam algumas vezes: o próprio enredo e Paris. O conflito vivido pela personagem principal, parecendo específico, é universal à vida de todos nós. As relações humanas não são um “negócio” em que toda a gente sai sempre a ganhar; há desequilíbrios, por vezes com resultados muito compensadores para uns, outras vezes com resultados ruinosos para outros. E como o sentido da nossa vida quase que se resume ao relacionamento que temos uns com os outros, os medos são justificáveis e as lutas necessárias, sobretudo as que travamos com nós mesmos. O resto… bom, o resto é Paris.
Porquê Paris?
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Se a leitura de um livro permite de algum modo uma aventura, uma viagem, escrever um livro também o permite, e se tínhamos que viajar, se tínhamos que construir uma aventura num meio artístico, então, porque não nos dispormos em Paris, a capital dos grandes impressionistas?
Têm algum projeto literário em mãos de momento? Se sim, podem falar-nos sobre ele?
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Temos. E poderá vir a ter um nome parecido com o “Sob o céu de Paris”, embora não faça qualquer paralelismo com este, quer no enredo quer na estrutura. O nosso novo texto desenrola-se sobretudo em Portugal, mais precisamente em Estremoz, e apresenta quatro personagens principais, um deles de etnia cigana e outro mestiço. Tem, como não podia deixar de ser, um pouco de romance e alguma referência à política e à corrupção dentro e fora das nossas fronteiras. Talvez seja um policial sem polícias, numa paisagem alentejana que vai desde a cidade aos montes isolados, às casas velhas e ao cheiro a mato seco, tisnado pelo sol.
Como foi a sensação de terem, pela primeira vez, o vosso projecto finalizado e o primeiro exemplar nas vossas mãos?
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Não deixa de ser curioso conseguir-se segurar nas mãos o resultado de dois anos de trabalho, de discussões, de pesquisas, de descobertas, de perseverança e sono adiado. Curioso, mas também estranho, porque ao pegarmos no livro pela primeira vez apercebemo-nos de que toda essa parte fica em segredo, não é impressa, não vai ser partilhada. Restou-nos o livro físico, com a estética e qualidade da Alfarroba que muito nos agradou e, claro está, as cores, os traços do quadro a óleo da pintora Maria da Fé, que depois de ler um pequeno trecho do livro (nessa altura ainda não terminado), soube captar a essência do momento descrito que lhe dá capa. Obrigado Fé.
Como tem sido lidar com as críticas dos leitores?
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
É verdade que quase gostaríamos de ter já ouvido alguém que não tivesse gostado… muito, para começar a aceitar as críticas, enquanto for unânime não acreditamos.
Para terminar, deixem por favor uma mensagem para os nossos leitores.
Jorge Campião e Elisabete Caldeira:
Todos os livros de ficção são uma ponte entre a imaginação dos autores e, necessariamente, a imaginação dos leitores. A ficção é um dom comum a todos os seres humanos e é uma das principais chaves da comunicação, por isso publicar não nos basta; queremos comunicar com quem nos ler. Nos nossos livros, sempre que possível, teremos uma impressão de qualidade e uma capa esteticamente perfeita, mas (garantidamente) só depois de imprimirmos no texto as ideias, personagens, conflitos e paisagens que acreditamos conseguirem estimular o pensamento e a imaginação de quem estiver disposto a ler-nos, porque isso é comunicar.
Obrigada Elisabete e Jorge :D
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