domingo, 15 de junho de 2014

[Opinião] - "Aceita e Sorri" de Inês de Santar e de Isabel Branco


"O quadro era negro e não havia maneira de ouvir qualquer coisa de positivo da boca daqueles médicos que pareciam sofrer com eles um fado sem qualquer esperança. Não é comum, receber crianças num estádio tão avançado como o de Nônô quando entrou naquele IPO.

- É mau, é muito mau, são trinta e tal metástases, vinte cinco só de um lado do pulmão. Ela está minada...está por todo o lado. São os dois rins. Um tumor tem dezasseis centímetros e o outro oito e meio. E não sabemos... se fosse num adulto, provavelmente nem teria indicação para tratamento e era enviado para casa para gozar os últimos momentos em família até que..."




Esta é uma opinião diferente daquilo a que vos habituei, e passo a explicar porquê. Tal como alguns de vocês devem saber eu estou a terminar o meu estágio curricular de fim de mestrado na pediatria do IPO de Lisboa. Este livro é sobre a Leonor, mais conhecida por Nônô, uma das meninas que, infelizmente, frequenta regularmente o IPO.

Por motivos profissionais não irei fazer qualquer tipo de opinião muito focada nesta menina nem na sua família, sendo esta uma opinião mais generalizada.

Leonor, 4 anos, é diagnosticada com tumor de Willms, bilateral. Este é um tumor renal, que neste caso sendo bilateral afecta ambos os rins. Quando a Leonor deu entrada no IPO de Lisboa este era um tumor estadio 5. Os tumores categorizam-se em 5 estadios, sendo o estadio do tumor da Nõnô o último, e mais grave.

Neste livro acompanhamos a história da, ainda, curta vida da Leonor, e da sua família, em especial da sua mãe. Através da sua leitura conseguimos ter uma pequena ideia do percurso que se tem quando se diagnostica uma doença deste género, neste caso, numa criança. Desde o primeiro sintoma, ao primeiro diagnóstico, passando pelos exames mais específicos até chegar ao IPO de Lisboa, onde é realizado o diagnóstico concreto e delineado o tratamento a ser seguido.

Escrito de uma forma leve, que combina bastante com o tom cor-de-rosa das páginas, leva o leitor através daquela que será uma das piores experiências a ter na vida: uma doença grave num filho.
Muitos de vocês lerão este livro com lágrimas nos olhos e não se conseguirão coibir de pensar na pouca sorte desta menina e em como a vida pode ser tão injusta.

E pensarão isso com toda a razão. É impossível não pensar na injustiça que é quando temos conhecimento que alguém tem cancro, em especial uma criança.

Sim, CANCRO. Muitas pessoas têm medo de dizer esta palavra. Confrontei-me com pessoas que nem sequer me deixavam falar sobre como era gratificante trabalhar no serviço de pediatria do IPO, diziam que "nem é bom falar disso. Que horror, só crianças a morrer".

Pois bem, ao lerem este livro não conhecem apenas a Leonor. Através das palavras de Inês de Santar e de Isabel Branco, conhecem um pouco da realidade de dezenas de crianças que todos os dias passam por aquele hospital. Deparam-se, sim, com a triste realidade que é a de que o cancro, esta doença que imediatamente associamos a morte, também afecta os mais pequenos e com toda a sua vida pela frente. Mas confrontam-se também com outra parte da realidade, parte essa que muitas vezes quem está de fora desconhece.

Através desta leitura é possível aperceberem-se de que o cancro não tem que ser, à partida, uma sentença de morte. Que, em especial, na pediatria, a força e a vontade de lutar e de vencer este "bicho mau" é enorme.
Os tratamentos são agressivos, SIM. Os tratamentos têm efeitos secundários muito complicados, SIM. Há dias nos quais as crianças estão bastante mal, SIM. Há crianças que, infelizmente, não sobrevivem, SIM.
Mas também é verdade que o organismos das crianças, por vezes, reage bastante bem aos tratamentos. Os tumores reagem tão bem aos tratamentos, como no caso da Nônô, que os próprios médicos ainda se espantam com aquilo que por vezes acontece.

O que muitos de nós não sabe é que a taxa de sobrevivência no cancro infantil é bastante elevada, bastante mais alta do que nos adultos.

Para além disso, há uma frase que uma vez uma professora minha disse e que é tão real: "uma criança doente é uma criança normal numa situação anormal", e sim, é isso que sentimos naquele serviço, e é isso que sentimos ao ler este livro. Que no meio de diagnósticos arrasadores, de momentos de grande fragilidade emocional, entre procedimentos médicos evasivos e tratamentos agressivos, encontramos crianças que continuam a ser crianças, que continuam a brincar e a sorrir. E é aí, a essa alegria contagiante, aos seus sorrisos e gargalhadas, à sua capacidade fantástica de se adaptarem a situações que qualquer um de nós acharia insuportáveis, que pais, familiares e profissionais de saúde vão buscar a sua força.

Porque este livro é sobre a Nônô, mas poderia ser sobre qualquer um dos pequenos grandes guerreiros que encontramos nos hospitais por este país fora (e mundo atrevo-me a dizer). Porque este livro dá voz à mãe Vanessa, mas ecoa todas as mães e pais que um dia entram no seu pior pesadelo ao ouvirem o diagnóstico médico.

Aceita e sorri, um livro que nos leva a conhecer um pouco da realidade destas famílias, destes hospitais e dos profissionais de saúde que, lado a lado, lutam para combater aquela que muitos chamam "doença prolongada", aquela, que muitos evitam dizer o verdadeiro nome: cancro.

Tal como existem livros, muitíssimo bem conseguidos, sobre o tema, como "A culpa é das estrelas" e "O menino que sonhava chegar à lua", e que muitos de vocês lêem, atrevam-se a ler um testemunho real, de quem vive diariamente esta luta.
Juntamente com a mãe vanessa, a Nônô e todos os aprendizes e mães desses aprendizes, aceitem a realidade e sorriam com estas crianças.

Um livro que vai chocar uns, fazer chorar outros e, até, fazer sorrir mais alguns, mas que acima de tudo vai fazer pensar, cada um de nós, sobre este tema tão assustador.

1 comentário:

  1. É um livro escrito com as emoções à flor da pele. Obrigada pela sua opinião, parece que a arrancou de mim :)

    ResponderEliminar