Á Lareira com...Bruno Martins Soares, autor de "A Saga de Alex 9".
Fale-nos um pouco sobre si.
Ora bem… Tenho 41. Nasci em Lisboa, viajei para o Funchal onde vivi até
aos 18 anos, vim para Lisboa de novo e daqui não saio tão cedo. Com crise ou
sem crise. Sou formado em Gestão, e trabalho na área dos RH e do Marketing há
15 anos.
Escrevo desde os 12 anos, peças de teatro, argumentos para cinema e
televisão, contos, novelas, romances. A maioria foi parar à gaveta ou ao
caixote do lixo, comme il faut. Quando tinha 23, uma amiga desafiou-me a
concorrer aos Jovens Criadores ’94 e ganhei uma menção honrosa, na área de
Literatura. Depois ganhei o concurso em ’96 e representei Portugal na Bienal de
Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo em Turim. Foi uma experiência e tanto.
E depois participei na preparação da Bienal de Sarajevo e fui convidado a
visitar a de Roma. Fui jornalista, crítico literário e de música. E publiquei
contos em diversas colectâneas com maior ou menor sucesso. O primeiro romance
que publiquei foi «Alex 9 – a Guardiã da Espada», o primeiro volume da trilogia
que viria a tornar-se «A Saga de Alex 9».
Hoje, estou a acabar de produzir uma longa-metragem cinematográfica,
realizada pelo meu querido amigo Nuno Madeira Rodrigues, e escrita por nós dois,
chamada «Regret». Espero vê-la distribuída em 2013.
Conte-nos um pouco sobre a
inspiração para a Saga, Alex 9.
A escrita de Alex 9 demorou muitos anos, de modo que a inspiração é
difusa. Mas há elementos que me influenciam muito, de uma forma ou de outra.
Leio BD desde muito pequeno, logo, vejo-a imediatamente como uma influência. E
quando digo BD estou a dizer tudo desde o Tintin até ao Michel Vaillant, ao
Spiro, ao Bilal, ao Moebius, mas sobretudo ao Frank Miller e às séries Marvel.
O manga e anime japonês são, no entanto, o género de BD que mais aprecio e que
mais me influencia, pela sua exemplar profundidade de personagens e enredos. Se
repararem, nas cenas futuristas de Alex 9, elementos como os
‘escafandros-armaduras’ ou os ‘tanques-pessoais’ parecem tirados directamente
de ‘Ghost in the Shell’ ou algo assim. Também adoro os mangas de Kazuo Koike
como ‘Lone Wolf and Cub’ ou ‘Path of the Assassin’ e isso está patente na Alex
9.
Quanto a autores de literatura, comecei com Salgari e Burroughs, mas
fui muito influenciado por Herbert, por exemplo, com o seu estilo intimista de
escrever. Não sei se isso surge em Alex 9, que tem um estilo quase seco, mas
vou arriscar que sim.
Na verdade, no entanto, diria que a minha grande influência é o cinema
e a televisão. De Kubrick a Nolan, de Kurusawa a Lucas e a Soderbergh. E,
claro, de ‘Star Trek’ a ‘Battlestar Gallactica’, primeira e segunda versão.
Ultimamente, fui muito influenciado pela escrita de George R.R. Martin,
que obviamente influencia todo o escritor de fantasia moderna. É uma tal
pedrada no charco que ninguém lhe fica indiferente.
Como surgiu a oportunidade de o
editar (pela Saída de Emergência)?
Fui convidado por um amigo meu a publicar um conto na colectânea ‘A
República Nunca Existiu’, e nessa altura conheci o Luís Corte Real e a Saída de
Emergência. Quando lhe enviei o primeiro volume de Alex 9, ‘A Guardiã da
Espada’ (que na altura se chamava ‘A Espada do Rei Dragão’ – mudámos por razões
óbvias), o interesse foi quase imediato.
Disse uma vez “Ficção científica
ou fantasia, venha o diabo e escolha.”.
Porquê arriscar-se nesse género?
Arriscar-me? Não me parece. Acabou por ser natural para mim. Por tudo o
que já disse acima. Quando disse “Ficção científica ou fantasia, venha o diabo
e escolha” referia-me à classificação de Alex 9, que na verdade pode ser uma
coisa ou outra (na verdade é só uma delas, mas não posso explicar o que quero
dizer sem spoilar).
De qualquer forma, ainda acho que ambos os géneros são considerados
‘menores’ por muitas pessoas, mas hoje não sinto que me tenha ‘arriscado’. Foi
algo de natural.
Que críticas tem recebido sobre a
Saga?
Quase todas muito boas. A Saga está neste momento com uma classificação
de 3.82 no Goodreads, o que é muito bom. Há pessoas que não gostam nada, mas
isso é natural. A maior parte das pessoas gosta e a maior parte das críticas
são muito boas.
Mas está a perguntar por críticas concretas? Há quem se queixe que o
primeiro volume é um pouco ‘seco’ demais, por exemplo. Mas foi uma escolha
consciente. Quis privilegiar a acção e o ritmo em vez da descrição das
personagens e do desenvolvimento emocional. No meu entender, era uma introdução
necessária. Julgo que isso se esbate no segundo volume.
Por outro lado as pessoas dizem que o livro é surpreendente, que está
ao nível do melhor que se faz lá fora, por isto, aquilo e aquilo, e isso são
críticas que me entusiasmam muito, como devem calcular.
As pessoas parecem gostar dos mapas de batalha, por exemplo, e é algo
que me surpreende muito não ver noutros livros de fantasia, uma vez que surgem
nos livros históricos e mesmo em romances históricos. Eu, por mim, adoro mapas
de batalha.
Quais têm sido as suas
inspirações para escrever?
Remeto um pouco para a resposta que dei mais acima, quanto às
influências. Há mais, claro, de muitos outros autores importantes, como
Virginia Wolf, Boris Vian, Tennessee Williams, Sommerset Maughan, etc.
Por vezes, as pessoas dizem-me que ‘gosto de escrever’, o que é um
pouco estranho para mim. Era a mesma coisa que dizerem que gosto de ir à
casa-de-banho, ou de tomar o pequeno-almoço. Sim, tudo bem, até posso gostar,
mas é estranho dizê-lo. A escrita faz parte de mim, daquilo que eu sou. Como
diz o outro: estou sempre a escrever ou a pensar em escrever…
Em colaboração com a Associação
GEIC, criou uma colecção de livros de jovens autores inéditos denominada O Homem do Saco. Pode falar-nos um pouco
sobre isso?
Foi um belíssimo projecto. A ideia era: vender nas bancas de jornais
livros pequenos de jovens autores portugueses inéditos, a um preço acessível.
Isto porque os jovens autores normalmente têm mais contos de qualidade do que
romances de qualidade, que são mais difíceis de fazer, mas têm muito poucas
oportunidades para os editar. Os livros d’O Homem do Saco’ tinham tamanho
parecido com A6 e um máximo de 40 páginas (o que dava à volta de 15-20 páginas
A4, julgo). Vendiam-se, se bem me lembro, por Esc300$00. Os autores ficavam com
50% do lucro. E é claro que nunca houve lucro. Mesmo assim acabou por se editar
13 ou 14 volumes. 11 ou 12 enquanto eu lá estava, acho… Tínhamos alguns apoios
do IPJ e das Câmaras Municipais, mas mal davam para os custos. Ainda assim, foi
a colecção onde eu surgi, onde surgiu o Rui Pires Cabral, o Possidónio Cachapa,
e até o José Luís Peixoto submeteu um belíssimo escrito, mas que tinha o dobro
das páginas do que o nosso formato permitia. Em média, estávamos a vender cerca
de 300 livros por edição, o que não era mau, uma vez que só estavam à venda
durante um mês, como qualquer revista. E líamos dezenas e dezenas de
manuscritos de todo o país. Falávamos com muitos autores. Foi uma bela
aventura. Aliás, como o é todo o associativismo artístico.
Em 1994, ganhou uma menção
honrosa no Concurso Nacional de Jovens Criadores, e venceu a edição de 1996.
Além disso o seu conto «Mindsweeper» foi traduzido em italiano pela editora
Lindau (entre outros prémios). O que tem sido mais gratificante na sua carreira
como autor?
Esses anos, de 1994 a 1998 foram muito bons para a minha escrita. Ter
ido a Turim, a Roma e a Sarajevo com o apoio do Clube Português de Artes e
Ideias (que organizava os Concursos Nacionais de Jovens Criadores, na altura
liderado pelo Jorge Barreto Xavier) permitiu-me uma perspectiva única sobre a
escrita, a arte e vários outros temas importantes: adorei Itália, que me vai ficar
para sempre; vi um pouco mais de perto a guerra, que acabara há pouco tempo na
Bósnia; e tive uma conversa em Sarajevo com um filósofo italiano sobre
metafísica que mudou várias coisas na minha mente.
O mais gratificante na minha pequena carreira de escritor tem sido
falar com pessoas que giram à volta da literatura e da escrita. Leitores e
escritores. Sem dúvida.
Mas o essencial do essencial é o prazer que se tira da escrita ela
própria, na verdade. Não sofro como outros autores dizem que sofrem. É um
prazer… quase sempre…
Quando surgiu a paixão pela
escrita?
Sempre imaginei/contei/desfrutei de histórias. Mas só com 12 anos é que
liguei essa característica à escrita propriamente dita. E só quando comecei a
colocar as palavras na página e perceber o difícil que era é que comecei,
verdadeiramente, a entranhar-me na escrita. Durante muito tempo foi um desafio,
um desafio que era preciso ultrapassar para poder contar as histórias que
queria contar. A partir de certa altura tornou-se um prazer. Não sei quando.
Tem alguma rotina para escrever?
Infelizmente sim, pois é muito frustrante. Passa por estar muito
entusiasmado com uma ideia, escrever as primeiras páginas e depois ficar
bloqueado durante semanas ou meses, quando percebo que tenho de estar muito mais
seguro das ideias do que me parecia à primeira vista. Fico a pensar nas ideias
e na narrativa durante muito tempo até encaixarem. É, de facto, frustrante, mas
quer dizer que a qualquer momento estou sempre a escrever muitas coisas,
diversas, embora todas interrompidas até que *click*, chega a altura de
avançar. Aí, vou para o PC e recomeço. Não escrevo mais do que 1-2 páginas por
dia, de modo que levo cerca de um ano, ano e meio para escrever um romance de
250 pgs, por exemplo. Na verdade demorei muito mais tempo, mas a escrever,
escrever, ao PC, demoro um ano, ano e meio.
Depois, nessa altura, só não gosto é de ser interrompido quando estou
concentrado. Como já pensei muito no assunto, normalmente reescrevo muito
pouco, embora esteja sempre a ler o que escrevi e sempre a rever. Por isso,
quando acabo a primeira versão estou a dias de dar por terminado o processo.
Odeio rever, mas é inevitável. No entanto, a reescrita só acontece, no meu
caso, quando sinto mesmo que algo está mal.
Gostava de ter tempo para escrever mais. Para estar mais focado no PC.
Mas não tenho. O tempo livre divide-se entre pensar na escrita e escrever. E
acaba por ser pouco. Enfim, um dia… É esse o meu objectivo.
Fale-nos um pouco sobre as
influências literárias que o inspiram.
Julgo que já respondi acima. Confesso que não penso muito nesse
assunto. É claro que o que lemos nos influencia. E o que vemos e o que
sentimos. Mas o pior que pode acontecer a um escritor é estar a reconhecer
influências aqui e ali. E o pior que um jovem escritor pode pensar e fazer é
dizer: «Vou escrever como este ou aquele autor». Temos de ser diferentes e
apostar na diferença e pronto. Ou
acabaríamos todos por estar a escrever sobre vampiros. Aí eu parava, acho…
Deixe uma mensagem aos seus
leitores.
Espero que gostem muito de ler a Saga da Alex 9. Por vocês, claro, que
se vão sentir bem como sempre que lêem um livro que gostam, mas também por mim,
que fico muito feliz quando me dizem que gostaram, ou que notaram um certo jogo
de sentidos, ou um ‘mind game’ que deixei nas páginas.
Explicar o enredo da Alex 9 é difícil porque à partida parece banal.
Mas aqueles que o leram sabem que não é assim. A execução do conceito foi
sempre desenvolvida a pensar em fazer diferente e em fazer bem.
A mim, ainda me dá muito gozo ler a Saga de Alex 9. Espero que a vocês
também.
Por fim, pode também deixar
algumas palavras de incentivo aos aspirantes a escritores?
Duas coisas importantes:
1 – Aquilo que digo sempre: apostem na diferença. Se estão a começar,
esqueçam os elfs, os anões, os dragões, os vampiros, os lobisomens. Pensem em
coisas diferentes, que nunca se viram antes. Só um escritor experimentado pode
arriscar-se na selva dos ‘clichés’ e sair vivo. Acreditem em mim. Inventem
novas raças, novas maneiras de pensar, novos costumes, novos poderes. Se o
enredo estiver bem montado, já está meio caminho andado.
2 – Não escrevam para serem escritores. Não escrevam se o vosso
fascínio é o de um dia ter escrito um livro. Ou de um dia serem reconhecidos
como tendo criado uma nova versão do Harry Potter. Se esse for o intuito, a
grande probabilidade é de que o vosso destino seja a mediocridade.
Se, no entanto, estão a escrever por que vos dá gozo, porque vos dá um prazer
imenso viver com as personagens e viajar pelos mundos que imaginaram e sentirem
as emoções da história que criaram, então… não desistam. Por nada. Mantenham
sempre esse prazer. Cheguem a publicar ou não – não é isso que de facto
interessa, pois não? Então, talvez um dia sejam grandes… quem sabe? A J.K.
Rawlings diz que só quando não tinha nada é que se focou no essencial. Será que
o vosso ‘essencial’ também é a escrita? É esse o busílis, não é? Mas mesmo que
não seja, se vos dá prazer, escrevam. Mas não escrevam para serem a J.K.
Rowlings, escrevam pelo prazer.
adorei as respostas ;) especialmente a última! muito bons conselhos! Alex 9 será um livro para ler em breve!
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