À Lareira Com...Marlene Silva, autora do livro "À Conta dos Objectos".
Fale-nos um pouco sobre si
Julgo que, como acontece com toda a gente, sou aquilo que faço. Aliás, não consigo muito bem distinguir as diversas componentes da minha vida por dar tudo em cada uma delas. Sinto tudo como pessoal, já que a entrega é, habitualmente, muita. É assim com o trabalho, com as relações profissionais e, claro, com a escrita. Confesso, que esta postura não é muito saudável e, por vezes, sofro bastante por a ter. Talvez seja por isso que escrevo para crianças – é uma oportunidade para me renovar, para voltar a ser miúda, e, sobretudo, para crescer, para evoluir e para aprender. Sempre fui muito curiosa, gosto de estar próxima do conhecimento, e, para escrever, preciso de ir à procura, de ir conhecer, e isso é, quase sempre, mais aliciante para mim até do que a própria escrita.
Quando sentiu pela primeira vez o gosto pela escrita?
A escrita, no fundo, tornou-se no meio para eu aprender mais. Não gosto de escrever sobre realidades que desconheço, o que me leva à pesquisa. E isso é o que eu gosto mesmo. Da pesquisa vem mais conhecimento. A escrita acaba por se tornar no pretexto para eu ir ao seu encontro. Mas é também a forma de expressão que eu prefiro. Por isso, desde cedo, que se tornou claro na minha cabeça que queria ser jornalista. Não pela escrita, repito, mas pelo contacto com a realidade sempre a acontecer. É claro que podia escolher a rádio ou a televisão para fazer jornalismo, mas acredito que me exprimo melhor pela palavra escrita e, assim, comecei na imprensa. Os livros surgem completamente por acaso e, curiosamente, por influência da Raquel Balsa, que é a ilustrador do “À Conta dos Objetos”.
Publicou recentemente o seu livro “à conta dos objectos”. Como surgiu a ideia para este livro?
Estava a ter um dia terrível. Muito cansativo e stressante. Foi num dia em que fui trabalhar para Braga. O carro avariou logo de manhã. As entrevistas que devia ter feito durante a tarde, prolongaram-se pelo fim da tarde. Vi-me a regressar ao Porto, onde na altura vivia, no último comboio, cansada, com fome, aborrecida, a pedir à minha colega de casa para, àquela hora, me ir buscar à estação pois estava sem carro. E fiquei a pensar se a correria em que vivemos vale realmente a pena. Cheguei à conclusão óbvia: não! Comecei então a escrever para passar o tempo e surgiu o conto “Porque corres?”, que é a história de três ponteiros que são obrigados a conviver num espaço tão exíguo como um relógio e que, mesmo assim, não têm tempo para serem amigos pois passam a vida demasiado ocupados com as suas tarefas. Pensei então em escrever outros contos em que os objetos fossem as personagens principais e, através deles, tentar passar mensagens que eu acho importantes de serem assimiladas pelos mais pequenos, como o valor da amizade.
A sua formação em jornalismo, influenciou de algum modo a sua escrita?
Seria muito difícil isso não acontecer porque uma grande parte da minha vida foi dedicada ao jornalismo. A começar pela minha formação que, desde o 10º ano, prosseguiu sempre nessa área. Isso é bom, mas nem sempre. Pode ser bom ao nível do planeamento – o que, confesso, não aconteceu muito neste primeiro livro, que me saiu muito do coração e pouco da cabeça -, mas é mau porque tenho consciência de alguns vícios que me são provenientes da escrita jornalística. Porém, julgo ter ainda uma grande margem de evolução na literatura infanto-juvenil e, aprender e fazer melhor são os meus grandes objetivos, já que quero que esta seja a minha vida.
O primeiro conto que escreveu foi “Tchaicovsky, a história de um cão abandonado”. Pode-nos contar um pouco sobre esse conto?
É, como o nome indica, a história de um cão abandonado, que luta para sobreviver e para encontrar a mãe. É um cão que, apesar de ser rejeitado e muito maltratado pelas pessoas, consegue ultrapassar o ressentimento e entregar-se de alma e coração quando a oportunidade de ser adotado por uma família surge. Não é um conto muito elaborado, nem publicável, na minha opinião. Escrevi-o para oferecer à minha sobrinha/afilhada na sua primeira comunhão quando nem julgava ser capaz de o fazer. Ela adora o conto, mas não é por ele ser formidável. É porque foi escrito para ela e porque a personagem principal é um cão, animal que ambas adoramos.
Tem algum projecto literário em mãos no momento?
O “À Conta dos Objetos” está integrado numa coleção de livros infantis, chamada “À Conta”. Estou a trabalhar no segundo livro, o “À Conta da Família” e a tentar pensar em algumas ideias para o terceiro, o “À Conta da Escola”.
O que é para si mais gratificante no mundo da escrita?
Não sei o que é mais gratificante na escrita em geral, mas sei o que é mais gratificante na escrita para crianças, que é o melhor público do mundo e aquele para quem eu pretendo sempre escrever. E o que é mais gratificante é a atenção deles quando lhes leio uma história minha. As perguntas que eles fazem. O acharem que eu tenho todas as respostas, quando ando tanto à procura delas como eles. Numa das últimas oficinas de escrita que fiz numa escola, depois de ler o “Porque corres?”, tive uma turma inteira a contar-me histórias de relógios. Foi o máximo e sinal de que o meu conto lhes despertou a atenção.
Numa palavra, o que as palavras significam para si?
Só numa palavra? Dizer “tudo” é muito cliché. Por isso, tenho de usar pelo menos três palavras para dizer o que as palavras significam para mim – o seu significado. Sim, é verdade, sou pouco flexível e muito criticada por isso. Para mim, as palavras são exatamente o que querem dizer.
Para terminar, deixe uma mensagem aos nossos leitores.
Aos leitores do blogue “Tertúlias à Lareira” quero deixar a seguinte mensagem: Leiam, leiam, leiam... Nem que seja os letreiros publicitários! E deixem que a vossa imaginação corra sem barreiras. Uma vez, uma miúda do 5º ano perguntou-me o que acontecia ao mar quando o deixávamos de ver no horizonte. “Cai numa cascata?”, perguntou-me. Quando contei da pergunta aos meus amigos, eles disseram: “Como é que é possível que, no 5º ano, ainda não tenham aprendido sobre o facto da Terra ser redonda, e blá, blá, blá”. Querem saber a minha opinião? Eu acho que ela já tinha aprendido que a Terra era redonda e que a água não caía em cascata por causa da gravidade, mas parecia-lhe mais lógico e muito mais giro que, no firmamento, o mar fizesse uma cascata. Eu também penso que seria muito mais engraçado. E gosto de imaginá-lo! Imaginem também!
Bela entrevista.
ResponderEliminarNão há mesmo uma cascata para além da linha do horizonte??!?!
Vasco
http://vascoricardo.blog.com
Obrigada pelo seu comentário Vasco! Um beijinho a todos os leitores do blogue!
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